14 janeiro 2009

A chapinha de Camila

“Camila, seu cabelo tá fedendo”. Essa frase doeu. Era tudo o que a menina não queria ouvir. Ainda mais as palavras proferidas por seu atual 'ficante'. De tão embaraçosa, a situação só não deixou a menina de cabelos em pé porque a chapinha não deixou. Há dois anos Camila tem os cabelos assim, lisos. Fios que parecem linhas de costura. Antes eram ondulados, mas não lisos. O cabelo dela é idêntico ao de um trilhão de modelos que desfilam por aí. Começa no couro cabeludo, partido ao meio, e vai descendo, frágil, quase morto, até abaixo dos ombros.
Ela lava pouco. Água e alisamento não combinam. E com o tempo, Camila descobriu que o cabelo sem ser lavado vai ganhando uma oleosidade, um ranço que vai deixando os fios mais pregados, pesados. Cabelos da noiva do Drácula. “Minha filha, você nem precisa disso”, foi o que a mãe de Camila falou quando a filha começou a meter chapinha na madeixa. Mas a menina queria comprar o aparelho de derreter as móleculas de cabelo e assim foi feito. No mercado havia várias opções, de laser, íon, cerâmica. Com o aparelho em mãos, por que não usar todos os dias? É claro que Camila viciou no negócio.
Nas viagens, a chapinha é item de primeira necessidade. “Menina, mas onde você vai acampar nem deve ter energia elétrica”, disse a mãe um dia. “O que?! Então nem vou, mãe”. No passeio, a preocupação constante em não entrar na água e estragar a chapinha feita ainda em casa. Era importante sair bem nas fotos, em dois dias estariam rodando pela internet, em fotologs e orkut.
“Ah, ele é escroto”. Foi assim que Camila descreveu o agora 'ex-ficante' para um amiga. Como pode dizer que seu cabelo fedia? Ela precisa fazer pouco caso do sujeito. É claro, em seu íntimo Camila sabia que nunca mais poderia deixar um 'carinha' cheirar seu cabelo. Cheirar, não, chegar perto, agora, é proibido. Foi assim com o primeiro 'ficante' após o escroto. Estavam abraçadinhos e Camila lembrou: “Meu Deus, meu cabelo tá fedendo. Será? Ele vai sentir, eu sei disso”. Fez questão de afastar o moleque, ficar a uma distância segura. Perto mesmo, só pra beijar, mesmo assim, rola uma tensão.
Os anos foram passando. A chapinha esteve na mala quando Camila viajou para fazer vestibular em outra cidade. Antes da prova, uma "alisada básica". Durante os anos de faculdade, muita chapinha. Antes das entrevistas de emprego, o aparelho – já havia comprado algumas unidades - esteve lá, sempre à disposição. Algumas amigas da adolescência até já se permitiam deixar os cachos nascerem. Outras diminuíram consideravemente o uso da chapinha. Só para casamentos e ocasiões importantes. Para elas cabelo liso é "cabelo de festa". Camila não. Sempre foi fiel. O alerta fétido do menino adolescente ficou para trás. Camila aprendeu a mascarar o mau cheiro com uma borrifada extra de perfume.
Camila ontem foi a uma boate. O cabelo amanheceu fedendo cigarro. Mas tudo bem. Durante todos esses ano ela teve a sua lição: é mais importante ser liso do que cheiroso.
A chapinha quebrou?