01 junho 2009

Enj ot y

Sun Xiaoxu levanta cedo pela manhã e prepara sua sopa de arroz. Bebe também um copo de leite de soja. Raramente come ovos cozidos ou um pastel frito. Junto de outras mulheres de seu bairro vai até à fábrica, que fica distante cinco quadras de sua casa. Ainda é bem cedo e faz frio. Elas andam em silêncio. Naquele dia, Sun acordou com uma dor forte entre os dedos médio e anular. A dor a acompanha há algum tempo e tudo que ela faz para tentar amenizar aquilo é colocar um cataplasma de ervas secas trituradas. O calor no pano suaviza o problema. Mas lá fora faz frio. Sun suspeita ter reumatismo, mas deve esquecer a doença. Hoje, o trabalho será dobrado na fábrica. Hao li Ming, o patrão do lugar, anunciou uma grande venda para a semana. O trabalho será dobrado. O salário diário ganha um acréscimo de 50%. “Tudo bem”, Sun pensou. Pensou apenas, não disse nada para Wen Ming, seu filho de 15 anos. Não havia motivo. Wen foi para escola e no final do ano deve fazer um teste de capacitação. Deve tirar a melhor nota para continuar os estudos. Hoje, Wen não queria se levantar, fazia frio e o sono era pesado. Sun pensava que se fizesse calor seu filho seria o melhor dos alunos. Estaria sempre animado e feliz para os estudos. O trabalho de Sun consistia em desenrolar o tecido e cortar na medida certa. Toda a produção daquele dia era de toalhas de praia. As toalhas são azuis, possuem desenhos coloridos e uma frase em inglês que Sun não consegue ler, muito menos entender o significado. Sun decide ler em voz alta o que está escrito. O som que sai de sua voz, baixo e manso, sussurra algo como: “enj ot y”.

Maria Elizabeth nem precisa do despertador para acordar. O forte sol que entra pela janela é suficiente. “Já acordo suano”, comenta com a filha, Shyrlei. É sexta-feira e a empregada doméstica se prepara para o fim de semana. Ela, Shyrlei, o genro e os netos vão viajar. Darley ganhou folga e conseguiu a perua emprestada na oficina. Todos vão acampar às margens de um rio. Maria precisa comprar bolacha e refrigerante para as crianças. Ela desce do ônibus que a leva para a casa de sua patroa, no centro da cidade. O ônibus lotado faz a sensação de calor aumentar. “Nem adianta banhá”, comenta Maria para uma desconhecida. Já que é assim, ela resolve mudar de trajeto e passar em algumas lojas do centro. Vai andar mais. “Cada passada é um pingão desceno do subaco pras costa! Calorzão, credo”, matuta consigo. A mudança de trajeto deve atrasar sua chegada à casa em que trabalha. Pendurada na porta de uma loja, Maria vê uma toalha de praia. Lembra que pretende pegar sol quando estiver no rio. A vendedora da loja dobra a toalha que Maria decide levar e guarda em uma sacola. Quem olha para a sacola transparente pode perceber, entrecortada pelas dobras, uma frase escrita na toalha: “enj ot y”. Ao chegar em casa à noite, Maria mostra a toalha que comprou a Shyrlei que lê em voz alta: “enjoy a hot day”.