30 abril 2010

Vidas secas e narinas caconildas

Há muito tempo não chove. E o sol parece saber disso. Ele é como o general de um exército que toma o solo inimigo ao perceber que não há resistência. O sol tem pressa. Ele quer adiantar o nosso tempo de cozimento. Nessa época, eu noto que os seres humanoides apresentam o agravamento de um comportamento em suas vidas secas. A cena é comum no habitat urbano. O carro se aproxima. Mãos, pés e mente se preparam para a redução da velocidade e a parada no semáforo. Após a freada, o gesto. O dedo em riste invade a narina. Cavuca, rodeia, praticamente esperneia a procura da meleca, da caca. A ponta do dedo manobra como um skate em um half mucoso. Quando a escavadeira atinge o alvo, começa outra parte do processo. Em fricções rápidas os dedos modelam a bolinha de caca. Essa etapa costuma ser curta, a não ser que o artesão interrompa a execução para dar uma cheiradinha no produto. Terceira etapa: o lançamento. Com uma catapulta formada pelo dedo polegar e indicador, o motorista lança a bola pela janela do carro. É incrível, nesse tempo seco a produção nasal dessa cera aumenta. É uma lógica capitalista, aumento da matéria-prima, cresce também a produção.

Alguns pontos que merecem considerações:

O que motiva esse comportamento?
O incrível é que o sujeito perde os escrúpulos. Invariavelmente alguém o vê socar o dedo no nariz, mas ele faz tudo rapidinho. É como um vício.
Quanto de meleca prensada existe nas esquinas das cidades brasileiras?
É muito, mas nada assustador. Nada que motivaria a criação de uma divisão da limpeza pública urbana responsável pela coleta diária ou semanal das placas de bolinhas prensadas no chão. Algo que poderia atrapalhar a tração dos veículos, e até mesmo causar acidentes.
É possível ter uma idéia da quantidade em uma estimativa rápida.
Cada bolinha de caca tem cerca de 2 milímetros.
Um metro de solo corresponde a 1000 milímetros.
Ou seja, se fôssemos enfileirar um metro de bolinhas de caca, precisaríamos de 500 unidades do artefato nasal humano.
Vamos supor, em um cruzamento movimentado, com circulação de 1500 veículos por dia, 500 motoristas arremessam bolinhas de caca. Isso daria apenas um metro de bolinhas enfileiradas.
Basta lembrar que cada um faz o que quiser. Só não me venha cumprimentar depois.

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